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terça-feira, 18 de setembro de 2012

Amar.

Amar, como diria Mario de Andrade, é verbo intransitivo. Será?
Quem ama, ama. PONTO. Não precisa de objeto. Precisa de um sujeito. E é desse sujeito que ouso discorrer.
O que leva uma pessoa a se apaixonar por alguém? São circunstâncias? São feromônios?
Costumo dividir as fases de um relacionamento de uma maneira bem racional. Colocar as coisas como se fossem pilares que constroem uma ponte, obrigatoriamente de duas vias.
Uma ponte sempre liga dois extremos.
Tudo começa pela paixão. É como a fundação. Pode durar minutos ou anos, mas é essencial. A paixão permeia do primeiro olhar ao derradeiro cerrar de olhos. Quando a paixão acaba, é uma das condições para um relacionamento se acabar.
Acima da paixão, começa-se a construir os pilares da confiança, reciprocidade, carinho e respeito.
São vários pilares para cada um destes. Diferente do que muitos pensam, um relacionamento não é feito de porções iguais de cada um desses itens. Um relacionamento depende de um equilíbrio de peso.
Já repararam como algumas pontes possuem colunas diferentes? Umas grossas, outras finas.
Assim constrói-se o essencial para que a estrada seja, aos poucos, apoiada sobre os pilares.
A estrada, por sua vez, é o amor. Tão piegas amor.
Não existe amor sem confiança, sem reciprocidade, sem carinho e sem respeito. Não se constrói uma ponte que liga dois corações sem colocar muito cimento nestes pilares. Quanto mais, melhor.
Amar é confiar. É fechar os olhos numa entrega incondicional a cada anoitecer, na certeza de que há fidelidade e lealdade. E como são diferentes estas últimas duas!
Fidelidade não é lealdade, embora confundam-se e permeiem-se. Lealdade vai muito além. Ser leal é desapegar-se do passado, fechar os olhos às tentações do presente (e vamos combinar, são muitas!), e dedicar-se unicamente ao futuro. Fidelidade é colocar uma aliança no dedo e honrar um compromisso.
Amar é corresponder. É deixar-se ser amado, é estar no mesmo ritmo, na mesma sintonia. É buscar a sintonia por si só, quando percebe que algo está caminhando errado. É como usar uma bússola para saber o caminho a se construir a tal da ponte. Sabemos onde queremos chegar, mas, às vezes, falta um rumo. Falta um caminho. Uma direção. Isso é a reciprocidade. É dar e receber. É esperar tanto quanto se esforçar. Nem a mais, nem a menos; ou entra-se no campo da frustração (que será um capítulo futuro).
Amar é ser carinhoso. Não é carinho igual ao que se faz na cabeça do cachorrinho quando este traz a bolinha; o nome disso é submissão. Carinho é afeto. Carinho é cuidar. Carinho é sentir ciúmes. Carinho é sentir saudades. Carinho é um toque inesperado no rosto, um presente escondido embaixo do travesseiro, uma flor deixada à noite pra ser vista no café, uma mensagem escondida num livro, mudar seu nome no celular do outro e ligar numa hora inesperada, um bilhete embaixo do perfume, uma frase com batom no box, um poema, um suspiro inesperado. Carinho é manter um sorriso no que se quer bem.
E amar é respeitar. Quanto ao respeito, qualquer descrição torna-se prolixa. Respeitar simplesmente o é. O maior dos problemas com o respeito é definir parâmetros. É colocar-se como referencial e julgar. Respeitar é ouvir, é dialogar. Não se constrói um pilar de respeito. Constroem-se vários. Bem grossos. Respeito, num relacionamento, se conquista com as ações sustentadas pelos outros pilares. Pela verdade, pela honestidade, pelo caráter dentro e fora da relação. Respeito se conquista pelo que se é desde o berço.
Amar, por fim, é juntar tudo isso, lado a lado, dia a dia, pilar a pilar, para poder construir a estrada em cima.
Amor, portanto, não é nada além do caminho que une dois corações.
Ainda que este caminho sofra com o tempo e com a falta de cuidados, vindo a ruir e se acabar, se os pilares forem sólidos continuarão existindo.
A esse conjunto de pilares, dou o nome de amizade. Sem ela, não há amor que dure às intempéries da vida.
Amar. Verbo intransitivo, sim; mas, indiscutivelmente, transitório.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

fome.

das suas pernas


dos seus braços


dos seus sorrisos


dos seus arranhões


das suas mordidas


dos seus gemidos


do seu prazer


de você.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Com o que não acostumamos? [conto]

Fiz o café pra você. Arrumei a mesa com tudo o que você gosta. Depois arrumei a cama. Lavei a roupa, esperei secar e a passei. Depois me arrumei e fui trabalhar. Peguei o metrô. Cheguei na empresa e repeti a mesma rotina de sempre. Ouvi a todos os descontentes descontarem sua insatisfação em mim. Almocei no seu restaurante favorito, aquele com a atendente oriental que sempre nos olha desconfiada quando vamos pagar com cartão. Voltei pro trabalho e mais reclamação. Sai e peguei o metrô, agora lotado. Todo aquele suor, aquela proximidade, incomodaram-me. Depois de algum tempo, desci e me livrei daqueles bípedes. Passei em frente àquela loja de doces que você tanto gosta. Comprei a torta de frango que você tanto ama. O cheiro me trouxe lembranças da primeira vez que fomos ali, lembranças do nosso primeiro beijo. Sorri, aquele sorriso que você sempre disse que era tão seu e tanto te fazia bem. Corri, então, para casa, afinal, começou a chover. A chuva, como você sabe, abriu-me o sorriso. O vento frio tocava-me os cabelos e a pele, arranhando-a. Ah, como era bom! Aquela boa e velha sensação de liberdade, de satisfação, de que a vida vale a pena, de que o amor é eterno e a paz interior jamais foi algo irreal. Corri mais. Precisava chegar logo, precisava te encontrar, te abraçar, te sentir. Poucos minutos dali, cheguei. Abri a porta, entrei e tranquei-a. Joguei as chaves ao lado da TV e deixei a torta sobre a mesa da sala, a mesma em que você sempre depositava sua bolsa quando chegava da faculdade. Tomei um banho rápido, vesti-me com o pijama preto que você me comprou no nosso segundo aniversário de namoro. Sentei-me no sofá, liguei a TV e assisti à nossa fita de noivado enquanto comia a torta. Terminei-a, desliguei o vídeo e fui me deitar. O café continuava quente e a mesa, intacta.
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo busco
Inamovível, e te respiro inteiro.
(...)

Hilda Hilst

terça-feira, 24 de maio de 2011

.can.sei.

Cansei, por ser o que jamais quis ter.
Cansei, por ler o que jamais quis ver.
...but who can.sei?

terça-feira, 3 de maio de 2011

Em obras.


Existe um verdadeiro abismo entre o mundo de fora e o mundo aqui de dentro.

Entro nesse mundo de fora todos os dias, mas dificilmente esse mundo ou parte dele entra no meu mundo aqui de dentro. Eu poderia muito bem me abrir a visitações, mas nesse mundo aqui de dentro não existem guias ou mapas para facilitar a orientação.

E não quero que as pessoas se percam nesse mundo aqui de dentro, da mesma forma como eu me perco nesse mundo ai de fora. E foi justamente esse não querer que as pessoas se percam, que só me fez perder as pessoas. Eu perdi o momento, perdi o sono...

Eu me perdi.

Eu perdi até mesmo a razão, aquela mesma razão que me fez errar tentando fazer as coisas certas. Eu perdi a chance de habitar dois mundos e ser habitado também. Eu só não perdi a esperança de terminar essa ponte que eu construo todos os dias entre um mundo e outro. Talvez um dia eu possa receber visitas com mais freqüência, talvez exista do outro lado alguém construindo uma ponte para chegar até aqui também. Até lá, declaro-me: em obras.

Anseio

foto: indiae.deviantart.com



As pessoas são tão pequenas;
Com anseios tão pequenos.
Talvez eu não queira ser nada,
E ter em mim todos os sonhos do mundo.

Fecho os olhos...